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Coronelismo: a herança de atraso e desigualdade no Nordeste brasileiro

  • Foto do escritor: Lorruan Alves
    Lorruan Alves
  • 13 de jun.
  • 8 min de leitura

Atualizado: 14 de jun.

O Brasil sempre foi visto internacionalmente como um "celeiro mundial", um país puramente agrícola e de economia primária. No entanto, no cenário do início da década de 1930, o presidente Getúlio Vargas deu início a reformas profundas, dando início a um processo de industrialização que, de forma tardia, centralizou-se apenas na região do Centro-Sul. Consequentemente, esse fator se reflete no cenário hodierno, no qual as regiões Norte e Nordeste são menos industrializadas. Nesse artigo de opinião, irei fazer uma crítica ao denonimado novo coronelismo, que, mesmo após a redemocratização do Brasil, o "repasse" de cargos públicos por consanguinidade ainda perdura fortemente, semelhante o sistema de capitanias hereditárias no passado colonial.

Desde cedo, no ensino primário, os alunos aprendem que a industrialização no Nordeste foi tardia em relação ao resto do país por efeito da centralização do capital no Sudeste, dos investimentos obtidos pelos cafeeiros — em decorrência da crise do café e da noção dos ricos sobre a dependência da monocultura — e também da mão de obra vinda da Europa em massa para trabalhar nas indústrias. Contudo, mesmo que essa prerrogativa potencializasse o desenvolvimento primeiramente do Centro-Sul, é importante destacar que, antes mesmo dessa industrialização, já havia uma grande mente por trás do cenário semiárido na luta pela industrialização e desenvolvimento do país: uma figura singular e crucial, o pioneiro da industrialização nordestina Delmiro Gouveia, que, mesmo sendo muito importante para a história regional nordestina, não é abordado nas escolas.

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Imagem do pioneiro da industrialização nordestina Delmiro Gouveia (1863 - 1917)

Ainda que houvesse indícios de avanço por parte de Delmiro Gouveia, os governantes locais e os coronéis perseguiam essa figura que lutava pelo fim dessa velha política, essas perseguições políticas até desencadearam em sua morte por assassinato, sendo assim, um dos fatores internos principais responsáveis pelo atraso da região Nordeste o coronelismo, que sufocava qualquer tentativa de desenvolvimento industrial e perseguia quem ameaçava o seu poder e influência. Outrossim, o processo de industrialização é abordado no ensino básico de maneira generalizada e não de maneira regional. Desse modo, essa abordagem exclui os fatores internos que fizeram o Nordeste se industrializar posteriormente ao resto do país. Um desses fatores internos era o coronelismo, que tinha como interesse próprio centralizar toda forma de poder econômico e financeiro nas mãos dos grandes latifundiários, que controlavam as vastas terras e produziam boa parte do consumo interno da região. A produção de produtos primários como o algodão, couro e cana-de-açúcar era a força motriz que movimentava a economia. Dessa forma, esses interesses das elites do coronelismo estavam sobrepondo o desenvolvimento da região Nordeste, o que não só influenciava o comércio, mas também o poder público, que não investia na estrutura precisa para a produção industrial, criando um cenário hostil para a atração do capital industrial.

Sendo assim, a história frequentemente é simbolicamente anestesiada pelo sistema educacional regente, que, na maioria das vezes, não aborda a geografia e a história regional, e sim uma visão generalizada e superficial. A história ensinada nas escolas retrata um Brasil desigual e multifacetado, dividido em dois Brasis: o Centro-Sul privilegiado e desenvolvido, e o Norte-Nordeste, um Brasil agrário e emergente. Entretanto, o Nordeste, durante o governo colonial, foi por muito tempo o centro político e econômico do país, tendo como Salvador o centro político e administrativo, e cidades como Olinda e Recife como algumas das mais ricas do Brasil. Com o tempo, porém, com a mudança da capital para o Rio de Janeiro, o ápice da extração de minerais em Minas Gerais e o ciclo do café em São Paulo, o Nordeste foi sendo esquecido e negligenciado, essa trajetória evidencia como os processos históricos contribuíram para a marginalização do Nordeste, apagando seu protagonismo passado e consolidando uma visão distorcida e desigual da formação do Brasil.

Apesar disso, o Nordeste, muito antes da grande industrialização do Sudeste, já era pioneiro em indústrias têxteis e de couro. Recife abrigou também o primeiro 'shopping' do Brasil, além da criação de uma das primeiras usinas hidroelétricas do país, bem no coração do sertão nordestino, na cidade que hoje leva o nome do empresário industrial Delmiro Gouveia, em Alagoas.

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Mercado Modelo Coelho Cintra conhecido como Derby, é tido como primeiro "shopping center" do Brasil, fundado na cidade de Recife em Pernambuco por volta de 1900, possuía uma estrutura moderna, com eletricidade, ventilação, variedade de lojas e até rede hoteleira. Apesar de tanto sucesso, foi incendiado misteriosamente, motivado por interesses econômicos de concorrentes.

Mesmo que o cenário do semiárido fosse dominado pela produção primária e pelo domínio político e social de seus coronéis, foi possível estabelecer as primeiras indústrias do sertão — um lugar que, por todos, era considerado retrógrado — e que se tornou exemplo de superação e resiliência. Para Delmiro Gouveia, o futuro do Brasil dependia da capacidade de integrar o homem ao desenvolvimento. Para ele, o desenvolvimento não deveria ser apenas econômico, mas também social.

Por esse motivo, ao fundar a Fábrica da Pedra, em 1914, ele fundou, juntamente à indústria, uma escola para operários, na qual os filhos dos trabalhadores tinham acesso à educação e também à preparação para futuramente trabalhar na indústria. A Fábrica da Pedra, embora feita no meio do sertão alagoano, era uma das mais modernas do Brasil, utilizando energia de uma hidrelétrica para funcionar, além de dominar o cenário regional e competir com empresas estrangeiras — o que era um caso único na época.


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Antiga Fábrica da Pedra, Delmiro Gouveia - Alagoas.

O Nordeste sempre foi uma potência adormecida que não pôde dar continuidade ao seu progresso industrial por causa da negligência do governo federal da época. Se houvesse, de fato, maior investimento, proteção às indústrias já existentes e integração logística, o Nordeste teria potencial para competir igualmente com a região Sudeste. Além disso, não há incentivos aos estados nordestinos para aumentar a produtividade e impulsionar o desenvolvimento econômico, tendo como efeito um desempenho econômico menor do que as regiões do centro-sul, principalmente em áreas remotas, aumento das desigualdades sociais e a diminuição da geração de emprego e renda. Esses empecilhos se refletem no coeficiente de Gini (medida do grau de concentração de renda, usada para medir a desigualdade), que, na região Nordeste, tem a maior pontuação. Essa classificação de região mais desigual do Brasil reflete-se no crescimento econômico que ocorre de maneira desigual e concentrada em grandes polos, enquanto pequenas cidades do interior nordestino, de clima semiárido e poucos recursos financeiros, têm uma economia primária baseada na agropecuária e agricultura. Diante disso, este cenário indica que o surgimento da atividade industrial ainda não chegou a todos os locais do país, que geralmente estão suscetíveis a uma economia primária e em pequena escala.

As consequências dessa chaga do coronelismo, muitas vezes reduzida a um vestígio do passado, continuam moldando a política encravada no presente. No cenário nordestino, há uma grande herança de uma velha política construída pelos coronéis, uma marca profunda como o paternalismo político e o nepotismo. Frequentemente, os governos municipais, em sua maioria, se perpetuam em um círculo de alternância do poder executivo entre familiares dos antigos coronéis — um novo coronelismo que toma força no cenário nordestino, principalmente no interior. As raízes do paternalismo político surgem na criação da figura protetora, geralmente ligada aos coronéis, que, em troca do voto de cabresto, cuidavam dos interesses de seus eleitores e os serviam com favores. Esse fenômeno acaba criando uma dependência de uma figura política ou de uma família, e dificilmente o município terá sua libertação total.

Paralelamente, os novos coronéis, ao se perpetuarem no poder, beneficiam seus familiares com cargos políticos e salários "fantasmas", nos quais o familiar não trabalha ou presta pouco serviço e, mesmo assim, recebe uma boa quantia dos recursos públicos. Isso acaba criando aberturas para casos de corrupção, decorrentes do sentimento de posse do patrimônio público, tratando-o como um patrimônio privado.

É notório, portanto, que o debate sobre a importância dos valores democráticos está sempre presente tanto na fala de governantes quanto no nosso cotidiano, mas pouco se faz para fortalecer a democracia. O coronelismo foi sempre tratado como uma falha da nossa história e não como uma ameaça à democracia. Um país ou região onde uma elite hereditária alterna o poder público por meio da manipulação das massas subornando-as com produtos básicos ou dinheiro, é uma realidade que se consolidou no nosso cenário político, mesmo que, hoje em dia, tenha se enfraquecido ou não se divulgue sobre o assunto com gravidade, mas silenciosamente ainda perdura na nossa realidade.

Por isso, é importante procurar meios de libertar a juventude para salvar o amanhã, principalmente por meios educativos. O Estado sempre esquece de preparar o povo para a escolha de seus representantes, tendo em vista que um povo sem educação estará sempre suscetível a ser escravo de maus representantes. Nosso sistema educacional não prepara as pessoas para exercer a cidadania, gerir seu próprio dinheiro, conhecer a legislação do país e também não ensina nenhuma noção de educação cívica e política. Em razão disso, muitas vezes estamos preparando jovens para ingressar no ensino superior e não para a vida real, que não se resume à vida acadêmica.

Dessa maneira, é crucial adotar uma abordagem diferente da nossa história, para que figuras históricas como Delmiro Gouveia não caiam no esquecimento. Também é necessário abordar uma nova perspectiva geográfica e histórica regional, que poderia mostrar o Nordeste não só como uma região atrasada, mas como o berço do nosso Brasil — a região que, mesmo em meio à negligência dos poderosos, teve indícios de desenvolvimento industrial em um cenário onde todo o Brasil era, em sua maioria, agrário; que teve figuras históricas que agregaram à construção da nossa nação.

A herança de atraso deixada pelos coronéis foi um cenário político totalmente monopolizado, dominado por dinastias políticas que alternam o poder entre si desde os primórdios da história do nosso país. Atualmente, esse novo coronelismo está presente em pequenas cidades, mas também opera em grande escala, nos grandes centros urbanos e no cenário estadual e federal. Há um grande questionamento sobre esse cenário: será que realmente vivemos em uma democracia federativa? Ou o Brasil continua sendo governado por uma elite hereditária que sempre esteve no poder? Embora a participação popular tenha crescido nesses últimos anos e cada vez mais pessoas vindas de origem humilde exerçam o papel de porta-voz do povo, o cenário brasileiro ainda é dominado por uma herança de uma dinastia política.

Sendo assim, é relevante destacar que a mudança do nosso país começa na mentalidade do seu povo, na valorização da memória histórica dos nossos antepassados, na valorização da nossa rica cultura, que é singular e diversa. O Nordeste ainda segue tendo um potencial adormecido que precisa ser despertado. Com a transição de uma juventude sem esperança e sem compromisso com o futuro para uma juventude intelectualmente preparada e com uma mente libertadora, devemos caminhar para um destino glorioso, no qual os jovens tenham consciência dos males que afrontam nossa democracia — os resquícios desta velha política que ainda continuam sólidos ao decorrer do tempo.

Diante disso, conclui-se que, apesar das transformações sociais e tecnológicas, práticas de dominação política, típicas do coronelismo, ainda persistem, apenas remodeladas. O clientelismo, o assistencialismo, o controle econômico e o domínio da informação continuam sendo estratégias usadas para manter o poder nas mãos de poucos e enfraquecer a participação cidadã. Por isso, é fundamental fortalecer a educação política, as instituições democráticas e a consciência coletiva, como formas de combater essas práticas e construir uma sociedade mais justa, democrática e igualitária.


"O coronelismo, enquanto sistema retroalimentado de acomodação entre o poder público e privado, não pode existir quando o cenário rural deixar de ser predominante em relação ao urbano." - Victor Nunes Leal

1 comentário


izannete
15 de jun.

Excelente reflexão!

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